sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Casa Abu & Font, em Assunção, Paraguai, do Gabinete de Arquitectura

Residência projetada para a mãe do arquiteto mostra uma arquitetura rígida na utilização de materiais e flexível nas funções. O térreo, fechado, traz segurança e intimidade. Mas por um sistema de roldanas, as portas de madeira se abrem aumentando e transformando o espaço em uma ampla área de convívio



"Minha mãe estava com medo." Essa frase sempre acompanha as explanações de Solano Benítez ao falar da Casa Abu, a residência projetada para sua mãe em um bairro de Assunção. O medo tem uma explicação: um de seus parentes tinha acabado de ser sequestrado.

A casa, então, tinha de lhe transmitir segurança. "Construir para proteger uma casa contra todas as intempéries, do sol e das chuvas e proteger das coisas que fortalecem a indiferença, o medo e a solidão. Uma casa como ferramenta de resistência, onde de novo se abrigue a vida", diz Solano no memorial da casa.

A senhora Abu (o nome vem de abuela, avó em português), mãe de Solano, não viveria só. "Na casa também mora um dos meus irmãos, solteiro. O único inteligente", explica, brincando, Solano. E está sempre habitada por muitas pessoas: em seus 750 m2, permite horas de intimidades e horas de reunião de família em fins de semana que podem chegar a receber 40 pessoas: são sete filhos (seis deles casados) e 25 netos. A arquitetura, aqui, é quem se transforma para abrigar com intimidade e segurança quando a casa está vazia, e com espaço e grandes aberturas quando se enche de gente.

Para isso, uma das primeiras soluções foi inverter o conceito de terraço-jardim. E o grande espaço de convívio abre-se no térreo. É nesse pavimento que fica a sala, em um vão livre de 15 m, amparada por portas que, por um sistema de roldanas, podem se abrir totalmente. "É o conceito de abertura cumprindo o que seu nome lhe pede", diz Solano. Abertas, unem o jardim frontal e posterior com sala. Nesse pavimento também fica parte dos serviços: cozinha, despensa e lavanderia. Todas discretas, a nordeste da planta.

A casa é sustentada por duas vigas Vierendeel de 14 m, que descarregam seu peso em quatro pilares localizados nos limites do terreno. Viguetas longitudinais equilibram as tensões internas. As vigas Vierendeel são "furadas", o que atinge uma das premissas do trabalho de Solano: buscar a maior eficiência dos materiais. E todo esse conjunto é arrematado por uma laje cerâmica presa por cabos de aço, e aparente na sala. Em forma de abóbada, a laje da casa Abu fez Solano se emocionar quando esteve na praça do Patriarca, em São Paulo, e viu o projeto da cobertura, de Paulo Mendes da Rocha (2002). "Elas têm a mesma ideia e quase a mesma dimensão. Mas Paulo usou outra forma de sustentação", conta.

É possível ver os tijolos da laje dispostos de forma inclinada. "Assim, aproveitamos mais seu comprimento: inclinados passam a ter um comprimento de ponta a ponta maior do que deitados", explica Solano. Mais uma vez, a busca pela maior eficiência dos materiais. O canteiro funciona como um laboratório. "Se não pesquisamos, se não assumimos a possibilidade do erro, nunca encontraremos um novo resultado", diz.

E o tijolo é explorado em formas e funções variadas.

"É o material de construção mais barato em nosso país, e é utilizado nesta casa no extremo de suas capacidades", diz Solano. O tijolo compõe a laje, o piso da entrada, o fechamento (com as paredes externas duplas) e, ainda, é o que forma os elementos vazados que fazem a fronteira entre a sala e a rampa que leva ao piso superior - onde está a parte privada da casa: quatro dormitórios, incluindo o de Abu na fachada noroeste, recortado por baixas e estreitas aberturas retangulares. O calor paraguaio exigiu soluções como a altura de 5 m da caixa que forma o andar superior, o que aumenta o volume de ar no espaço - os dormitórios, nos extremos da planta, conservam o maior volume de ar, devido à inclinação da cobertura cerâmica.

O subsolo, onde se chega por uma discreta porta que se abre a uma escada, carrega um ambiente de calma. É aqui que mora o filho solteiro. O controle de temperatura é aquele típico de espaços que estão abaixo da terra. Jardins fazem a intermediação entre as habitações e o exterior, visível apenas por uma pequena abertura que dá ao jardim a noroeste da planta. Nota-se com mais precisão, nesse espaço, a utilização dos vidros reciclados, de tamanhos diversos, que permeiam toda a casa. Sempre na busca da mais eficiente aplicação dos materiais. "Onde não há muito, a austeridade é mais do que necessária. E a estratégia para consegui-la é operar apenas com o imprescindível", conclui Solano.

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